30 de mai. de 2009

ergonomia



"A situação era tão nova que as suas velhas idéias não serviam mais. Emília
compreendeu um ponto que Dona Benta havia explicado, isto é, que nossas idéias
são filhas de nossa experiência. Ora, a mudança de tamanho da humanidade vinha
tornar as idéias tão inúteis como um tostão furado. A idéia duma caixa de fósforos,
por exemplo, era a idéia duma coisinha que os homens carregavam no bolso. Mas
com as criaturas diminuídas a ponto duma caixa de fósforos ficar do tamanho dum
pedestal de estátua, a “idéia-de-caixa-de-fósforos” já não vale coisa nenhuma. A
“idéia-de-leão” era dum terrível e perigosíssimo animal, comedor de gente; a
“idéia-de-pinto” era a dum bichinho inofensivo. Agora é o contrário: o perigoso é o
pinto
"(Monteiro Lobato, A Chave do Tamanho, p.11).

É sempre útil lembrar a origem e o significado das palavras. Ergonomia, segundo o Houaiss, é a “otimização das condições do trabalho humano, por meio de métodos da tecnologia e do desenho industrial”. O Houaiss que me perdoe, mas a sua definição é pouco clara, pois a ergonomia é o estudo das relações entre as atividades do homem e os condicionantes mecânicos do seu corpo, podendo resultar “na otimização das condições do trabalho humano”. A ergonomia se aplica ao desenho industrial, não se confundindo com ele: são instâncias distintas, que se unem ocasionalmente, na medida decidida pelo designer.

Literalmente, ergonomia quer dizer “normalização do trabalho” (do grego ergo + nomia). Porém, a etimologia da palavra, também necessita ser vista com bom senso pois, se toda normatização visa a uma padronização, também é fato que em certos casos essa norma é obrigação e em outras, apenas referência. Quando a Ergonomia busca a norma, ela busca, em primeira instância, o normal, o mais cômodo, o usual e não o estabelecimento de metas a serem desempenhadas pelo homem. Aliás, como diz a própria International Ergonomics Association, “a abordagem ergonômica consiste em projetar os produtos e os trabalhos de modo a adaptá-los às pessoas e não o contrário”.

Foi apoiado nessa acepção que o arquiteto Galileu Reis nos introduziu no mundo das relações funcionais, na disciplina Metodologia do Planejamento Arquitetônico, ministrada na Escola de Arquitetura da UFMG. Alí ficamos sabendo que cartolas e sombreros demandam caixas diferentes, se você quiser guardá-los sem danos.

Não sei se para não nos assustar, ou se por convicção, Galileu jamais falou em “existenzminimum” e se o tivesse feito, provavelmente sairíamos correndo. A expressão é assustadora e evoca sentimentos ligados à repressão e ao cerceamento da liberdade, à redução dos meios de sobrevivência: uma espécie de claustrofobia está implícita, totalmente incompatível com a Era de Aquarius que, pensávamos, se aproximava. No entanto, “existenzminimum”, que foi tema de um congresso de arquitetura em 1929, sintetizava a preocupação com o oferecimento de moradias populares com mínimas condições ambientais, o que incluia a área das habitações, a densidade, as áreas verdes, o acesso ao transporte, etc., atestando que a preocupação com as dimensões, no âmbito da arquitetura, já vem inserida num contexto mais amplo, que trata das condições gerais de qualidade dos espaços.

Sendo a ergonomia um conhecimento acerca do conforto ou do desconforto decorrentes das nossas escolhas dimensionais, por certo esse conhecimento é imprescindível ao arquiteto, tornando-se ainda mais relevante quando se constata que o pressuposto de um dimensionamento é o estudo das atividades que terão lugar em dado espaço, estudo no qual o componente antropológico está implícito. Mesmo assim, os que fazem restrições a uma abordagem ergonométrica no projeto, temem que, ao estudar as funções, o arquiteto projete espaços rígidos, espaços que não permitam outras ações além das previstas por ele.

Mas foi a aplicação da ergonomia na arquitetura, que permitiu o desenho de banheiros menores do que os tradicionais, sem perda de conforto, o que não impediu que muitos arquitetos tenham previsto limites mínimos prejudiciais aos usuários. Por outro lado, o projeto de uma cozinha industrial que não se apóie no conhecimento das atividades e na ergonomia, pode resultar em desconforto, mesmo sendo grande. Tive esta experiência ao entrar numa cozinha recém construída num clube de prestígio. À primeira vista, ela me pareceu muito boa, com espaços confortáveis, circulações largas e bancadas imensas. O chef que me acompanhava me situou melhor: "com uma cozinha deste tamanho, disse ele, os funcionários vão andar quilômetros por dia... ninguém vai querer trabalhar aqui".

Se os critérios de conforto e de desempenho justificam o uso dos conhecimentos da Ergonomia, tanto na arquitetura quanto no design, os efeitos negativos da arbitrariedade dimensional ficam mais evidentes no segundo, ou seja, no design de utensílios e de objetos em geral. Pense numa alça de mala mal dimensionada, ou num garfo com os dentes muito finos: serão colocados de lado imediatamente. Já com as edificações, isso não é tão simples e nos adaptamos aos inconvenientes, qualidade humana que conspira contra os arquitetos.

A partir do domínio da ergonomia, novos desenhos podem ser concebidos, sem que isto implique em mero experimentalismo. A forma e a função possuem relações mais complexas do que simplesmente as de causa e conseqüência, já disse um funcionalista cujo nome não me recordo, e essa interação é um grande indutor da criatividade. Esse é o caso do designer escandinavo, Aldo Bakker, que redesenha objetos do cotidiano. Na sua garrafa de água, o movimento para verter o líquido é reduzido pela metade, aliviando o esforço humano. Já no seu pratinho de molhar o pão no azeite, Aldo exerce uma outra possibilidade do design, que é a de nos ensinar que o petisco em questão fica mais saboroso se o pão for levemente embebido e não mergulhado no azeite.

A possibilidade pedagógica também existe na arquitetura.






















Um comentário:

Claudio Costa disse...

Sérgio, obrigado pela visita ao PrasCabeças. Apesar de não trilhar os caminhos da arquitetura, sou 'usuário' interessadíssimo, observado e, às vezes, vítima de tantas barbaridades pseudo-arquitetônicas que existem por aí. Gostei do seu blog, clean como deve ser. Tenho fotos de paisagens e prédios de BH e de outros lugares no http://www.flickr.com/photos/clcosta/