1 de abr. de 2007

Arquitetos ameaçam o patrimônio

O número de março da revista AU, registra o impasse no projeto de revitalização da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Um dos pontos em disputa é o projeto de transformação da antiga Secretaria de Finanças do Estado em sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais o qual, segundo a revista, encontra-se na sua sexta versão. Participei do concurso, em 2005, e deixei de apresentar proposta por dois motivos: em primeiro lugar, pela constatação da impossibilidade de acomodar o programa na estrutura existente, sem alterá-la radicalmente. Em segundo lugar, por discordar da destinação absurda da quase totalidade do pavimento térreo à empresa patrocinadora, o que representa a privatização desnecessária e imoral de um dos espaços públicos mais nobres do estado.
Posteriormente, me surpreendeu a divulgação dos desenhos do projeto vencedor, os quais representavam espaços generosos, de grande área e volume. Fiquei curioso pra saber onde estava o pulo do gato, o toque de gênio: concursos também servem para aprendermos com os colegas. Infelizmente a exposição pública dos projetos foi de curtíssima duração.

Agora, sabendo que o projeto se encontra na sua sexta versão, torna-se necessária a atenção do IAB, assegurando que tais alterações não descaracterizem a proposta original, já que o atendimento às exigências do patrimônio e mesmo do programa, eram parte do escopo do concurso. Se isto tiver ocorrido, os interesses dos participantes terão sido atingidos.

Outro ponto da polêmica envolve o edifício da Secretaria de Educação, a ser transformado no Centro de Indústria, Arte e Cidade. Não li comentários sobre o bizarro tema do Centro, mas o projeto de Paulo Mendes da Rocha foi considerado excessivamente liberal pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Depois da intervenção primorosa de Paulo Mendes, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, seus dois projetos seguintes de intervenção, o Museu da Língua Brasileira e a remodelação do pavimento térreo da FIESP, são bastante questionáveis. No primeiro, a nova cobertura erguida na entrada, é instalada numa altura que secciona elementos importantes do antigo edifício e mais: é chumbada irreverentemente na belíssima torre a qual não tem a sua importância na composição reconhecida. Já no edifício da FIESP, a esplendida estrutura em concreto aparente, projeto do escritório Rino Levi, ganhador de um concurso em 1969, é violentada por uma estrutura metálica inserida quase casualmente, com péssimos detalhes de acabamento e de junção com o existente. Levanto tais exemplos apenas para reforçar a necessidade de maior atenção em relação às intervenções no exíguo patrimônio histórico belorizontino, mesmo quando elas são da responsabilidade de grandes arquitetos.

Por fim, cabe ressaltar que, depois de assumirem um papel de destaque na elaboração e discussão dos Planos Diretores, em Minas Gerais, os advogados assumem agora a liderança na defesa do patrimônio histórico, diante dos olhares sonolentos dos arquitetos e dos seus órgãos de defesa. Com o andar da carruagem, nos restará a Casa Cor: não é ruim, mas é pouco.

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Urbanismo de calças curtas 1

Ao mesmo tempo em que pressiona os comerciantes a diminuírem o tamanho das placas dos seus estabelecimentos, a Prefeitura polui visualmente a cidade, vendendo espaço publicitário nas grades de proteção para mudas de árvores, em ruas e avenidas estratégicas. São pequenos reclames, concordo, mas a poluição visual é gerada não só pelo tamanho mas também pela quantidade de elementos.

Ninguém assume a manutenção dos tais cercados. Meses depois de colocados, estarão estragados e muitas das mudas estarão mortas ou raquíticas. A Prefeitura e os empresários terão obtido o lucro desejado: pra nós sobrará um pouco mais de lixo.

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Gustavo Penna, arquiteto

1978, 1979... no mundo pré-digital, eu andava pelas ruas atrás das novidades, garimpando arquiteturas. Dois edifícios me chamaram a atenção: um na Gonçalves Dias e outro na Prof. Morais. Logo depois conheci o autor dos projetos e expressei a minha admiração pelas obras. Ele desconversou, minimizando a importância delas... desconfio que já sabia onde poderia chegar.

Gustavo Penna sempre falou sobre o gesto, fundindo no seu discurso, o arquiteto e o edifício, ambos generosos para com a cidade e a natureza. De início, isto me parecia apenas o desejo de imprimir, na arquitetura, as suas grandes qualidades de ser humano, impregná-la da sua sensibilidade poética. Hoje vejo que era o estabelecimento de um marco, o engendramento de uma utopia a indicar direções para a sua concepção dos espaços, pedra que vem sendo lapidada com muita dedicação e com habilidades raras, descobertas no fazer.

Gustavo pensa a cidade em pequenos e grandes gestos. Gestos de inclusão e não de exibicionismo. Gestos com a consciência da monumentalidade, pois ela reverbera a significância humana. Nessa relação ambiciosa e elegante com o urbano, esse arquiteto generoso mostra que a sua formação teve os fundamentos consolidados no período pré pós-modernista, ou seja, numa época em que conceber o edifício era conceber a cidade e celebrar o habitat coletivo. Depois, com o pós-moderno, a arquitetura em Minas fez a atenção se concentrar no objeto e não no espaço. É o que se pode ver na maior parte daquela safra, evidente na Rainha da Sucata, cercada por grades... um objeto guardado.

Gustavo odeia grades e, mesmo nos projetos residenciais ou em áreas urbanas de uso intenso, dá atenção especial aos espaços de transição, àqueles que servem de mediação entre o público e o privado. As suas soluções revelam a tensão entre os dois domínios, mas evitam o conflito. Contribuem para isto, as formas dos seus edifícios, formas que pedem atenção pelo silêncio, contraponto do caos urbano e convite à introspecção, a um momento de intimidade no cerne do coletivo.

Sem querer transformar o ofício de arquiteto em corrida rasa, creio que é do interesse da nossa cultura, reconhecer a excelência da produção desse colega discreto, produção que o coloca, naturalmente e sem reivindicações forçadas, entre os maiores arquitetos do nosso tempo, repercutindo e surpreendendo, sem a pretensão de ineditismo gratuito que marca grande parte da cena mundial. A sua obra testemunha que o meio é a mensagem: é a arquitetura que fala. A qualidade dos espaços não se contenta com promessas literárias e as formas que propõe, caminham do abstrato ao figurativo sem a evasiva do discurso.

A arquitetura é fertilizada por mestres: alguns se fazem pelo mito e outros pelo trabalho. Seja como for, a presença dessas figuras extraordinárias revigora todo o cenário da profissão e do ensino.
Gustavo Penna ocupa esse lugar na arquitetura brasileira.

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