28 de mar. de 2010

Um exercício de metacritica ou, três momentos de Serapião

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Nesse texto, faço uma crítica da análise crítica de projetos (uma metacritica), com base em três textos produzidos pelo arquiteto e editor executivo da revista “Projeto Design”, Fernando Serapião.
Trata-se de um texto longo, que poderia se desdobrar num trabalho de maior profundidade, coisa que estou cogitando. Mas enquanto isso não acontece, coloco o bode na sala.

São três partes
O Patinho Feio
Na primeira parte, falo sobre a posição de Marcio Kogan no contexto paulista e sobre dogmatismo.
Duas Casas
Na segunda parte, abordo as diferenças de tratamento e eventuais incoerências na análise de duas casas, uma projetada por Marcio Kogan (http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/marcio-kogan-residencia-paraty-09-11-2009.html) e outra por Ângelo Bucci (http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/angelo-bucci-spbr-arquitetos-residencia-01-06-2009.html), análises empreendidas pelo crítico em questão
Um carioca em Minas
Na última parte, aponto os riscos da contaminação política quando da análise de obras arquitetônicas.

Um exercício de metacritica ou, três momentos de Serapião 1

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Com as atribulações de final de ano, deixei passar em branco a publicação da Casa em Paraty, do arquiteto Marcio Kogan, cujo trabalho atingiu um alto grau de excelência já há muito tempo, tendo merecido amplo reconhecimento da crítica internacional.
A casa é esplendida. Da organização dos espaços às proporções, à escolha e o tratamento dos materiais, tudo nela é sensibilidade.
Segundo o autor do texto, o programa foi resolvido em formas ortogonais, contidas em volumes regulares. Tal procedimento, comum na arquitetura desde a Babilônia, é aqui levado a uma condição pós-moderna, pelo modo como os percursos são trabalhados e pela valorização sensorial dos materiais. Penso que, como é uma estratégia tradicional, tal partido não precisa ser alardeado, exceto se for como pré-requisito à aceitação do projeto em certos círculos (trato disso mais à frente).

Como em muitas outras oportunidades, Kogan não se deixa levar pelo artifício fácil do sistema estrutural espetacular ou pelo contentamento infantil daqueles que conseguem apoiar uma caixa imensa sobre quatro pilares. Para ele, a busca de proporções mais provocantes certamente supera o malabarismo, o que fica evidente na sala de estar e no grande balanço dos blocos, que buscam a emoção e não o recorde, a proeza.














O Patinho Feio
Insisto em classificar a obra de Kogan como pós-moderna, por que ela amplia a importância dos sentidos e é permeável ao contexto físico-cultural na arquitetura, salvando-a da frieza e do esquematismo nos quais o modernismo se meteu. Além disso, ele organiza os espaços de um modo sofisticado e diferente do imediatismo que o tardo-modernismo impôs, gerando percursos e domínios cuidadosamente configurados.

Classificar o trabalho de Kogan como pós-moderno também nos expõe ao patrulhamento pesado que a tal “escola paulista” exerce. Um peso que se faz morto na medida em que seus admiradores a consideram acabada e definitiva: parece que tudo de importante na arquitetura foi inventado ou foi sintetizado ali, no colo de Artigas e com uma mãozinha ora de Mies, ora de Corbusier. Sim, admitem-se precedentes e, na visão do crítico Fernando Serapião, até Wright poderia ser um deles, por seu projeto do Unity Temple, em Chicago: “(...) por ser um cubo de concreto, com amplo espaço interno iluminado pelo alto, o templo quase corre o risco de ser definido como matriz do ideário da escola paulista. Quase: falta a clareza estrutural.

Ora, afirmar que o projeto do Unity Temple não é estruturalmente claro equivale a dizer que as Ferraris não tem espaço pra cadeirinha de criança. Ou seja, não significa nada. O mito da estrutura ainda assombra parte dos arquitetos brasileiros os quais negam a validade de outras abordagens que não tenham o construtivo como determinante da expressão e da organização dos espaços. O olhar “paulista” (ele mesmo o define assim) de Serapíão também não entende bem a ornamentação art-deco dos interiores, definindo-a como “ (...) uma espécie de ornamento geométrico...”. Bem sucedida ou não, a linguagem de um projeto deve ser entendida dentro da sua própria lógica: a estrutura aparente é parte de um vocabulário e a ornamentação faz parte de outro. Elas até podem coexistir, mas não faz sentido reclamar, por exemplo, da falta de ornamento nas paredes dos projetos de Paulo Mendes da Rocha.

Voltemos a Marcio Kogan, que na cena paulista é tratado de modo diferente dos “herdeiros autênticos” de Artigas e dos cavaleiros de Paulo Mendes. A solução da casa de Paraty parece ser uma espécie de ingresso nesse clube de arquitetos que fazem casas quadradas sobre quatro apoios, ingresso assegurado pelo uso do concreto e dos volumes simples, não obstante os resultados tão diversos. É como se fosse necessário render-se ao grupo dominante para ser reconhecido, mas essa submissão exigida tem como preço a desqualificação da obra anterior de Kogan, por Serapião.
Num trecho da sua análise, o crítico afirma que: “(...) acrescente-se à trajetória da arquitetura de Kogan o caráter tectônico que, com vagar, os volumes vão ganhando, com estrutura mais clara e realista - que, de certa forma, também o aproxima dos colegas paulistas.” Ora, o que quer dizer esse “com vagar”? Pesquisem a obra do arquiteto e vocês verão projetos de altíssima qualidade realizados há muito tempo. O tom do discurso é tão indulgente quanto aquele usado pelo Imperador para convencer Luke Skywalker a aderir ao lado negro da Força, em Guerra nas Estrelas.
A expressão “em franca evolução” aparece duas vezes nos primeiros parágrafos do texto, mas o que se quer confirmar mesmo é a “prova de maturidade“ do arquiteto: ambas expressões representam um reconhecimento esnobe e limitado da qualidade do trabalho.

Ao finalizar o seu texto, Serapião não deixa dúvidas de que, para ele, a obra de Kogan é uma conjunção de fatores na qual o talento do arquiteto não tem qualquer importância. Diz o texto:
“Esse percurso do trabalho de Kogan pode ser creditado a quatro fatores. Em primeiro lugar, e mais importante, está a maturidade profissional. Em seguida vêm o constante mergulho na cena contemporânea internacional, o trabalho em equipe - com a participação efetiva de colaboradores na criação - e a demanda de clientes exigentes.”
Para mim, esse é o perfil de um profissional experiente, bem informado, bem assessorado e muito exigido por clientes esclarecidos e não o conjunto de atributos de um arquiteto criativo, o que Marcio Kogan sem dúvida alguma é.

Um exercício de metacritica ou, três momentos de Serapião 2

Duas Casas
Por uma coincidência, no mesmo ano de 2009, um outro paulista, Ângelo Bucci, construiu uma grande casa num contexto também espetacular, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Ressalto o fato de Bucci e Kogan serem paulistas para mostrar que não existe necessariamente um bairrismo por trás da preferência de Serapião por alguns arquitetos e sim a predominância de uma ideologia.
A residência de Bucci foi projetada há três anos atrás, em 2006, e a Projeto publicou na época, reportagem com a sua maquete. Logo que ficou pronta, em maio de 2009, (ainda sem o paisagismo acabado) a casa foi publicada na revista. A casa de Kogan em Paraty ficou pronta no mesmo mês de maio de 2009, mas só foi publicada em outubro, um mês após ter sido premiada no Leaf Awards 2009, uma premiação internacional de arquitetura.

São apenas detalhes, mas não são insignificantes, como mostram as análises que acompanham a publicação das casas de Bucci e Kogan, ambas elaboradas por Fernando Serapião, que escreve um texto muito peculiar sobre essa casa tão especial, que é a de Paraty, uma das melhores casas construidas no Brasil nas últimas décadas.
Nesse texto surge uma personagem pouco freqüente na cena arquitetônica: o arquiteto e professor Aurélio Martinez Flores. Flores foi pouquíssimo publicado, não obstante sua longa trajetória, e nenhuma das suas casas aparece nas páginas das duas principais revistas brasileiras. Entretanto, segundo a análise de Serapião sobre a casa em Paraty, ela seria quase uma conseqüência da obra e do pensamento desse mexicano que adotou São Paulo.
Martinez Flores parece ter um trabalho realmente de interesse e livre dos dogmas modernistas, mas daí a dizer que o uso de generosas aberturas horizontais foi “eternizado” por ele, no Instituto Moreira Salles em Poços de Caldas, MG, é ser pouco fiel à história da arquitetura.
Os outros atributos da obra de Flores, que segundo Serapião, tem o trabalho “(...) marcado pelas caixas de alvenaria branca e massa raspada, pelo apuro no detalhamento minimalista e pelos espaços internos baseados em percursos e surpresas”, mesmo que tenham influenciado o seu ex-aluno, não podem ser considerados atributos originais e exclusivos, a ponto de definirem uma linhagem. São inúmeros os arquitetos que trabalham com esses critérios e, se resolvermos dar um exemplo bem distante, toda arquitetura egípcia do Quarto Império se enquadra aí.

Diferentemente da sua análise da casa de Bucci em Santa Tereza, na casa de Paraty, Serapião concentra-se no aspecto compositivo do projeto, o que me parece um equívoco. Já que o contexto da mata atlântica é a razão de ser da proposta de Kogan, a implantação deveria ser o tópico dominante, mas sequer é citada. Na casa de Santa Tereza é diferente: ali, mesmo que tenham havido considerações acerca da topografia e do entorno, procedimento recorrente em qualquer projeto, eles servem de suporte para a implantação de um modelo, não sendo inspiradores de uma concepção própria para o lugar.
Isso fica mais ou menos claro em certos enquadramentos: o Pão de Açúcar é maltratado duas vezes, sendo a primeira na sala, onde é coroado pelos trilhos dos vidros de correr. A segunda é na cozinha, onde divide a cena com uma coifa. Essa vista, a principal, também fica prejudicada pelo primeiro plano, constituído por uma vizinhança construída e invasiva, habilmente omitida das fotos. O esquematismo da proposta, na qual dois lados são empenas e dois lados abertos, impede a solução desse problema, não porque prejudicasse a pureza da concepção, mas porque o problema não foi detectado: um dos equívocos modernistas é a crença de que o edifício vai submeter o contexto.



Serapião vê outra coisa: “No caso de Bucci, a natureza é a paisagem e a casa, inserida em contexto urbano rico e centenário, é a mais importante contribuição recente ao local, onde se soma às dezenas de construções históricas que permeiam o tecido do bairro.” Não é o que mostram as fotos. A casa, na paisagem é uma composição que não condiz com a sua condição de ápice, de cume da montanha: ela não se decide entre a tomada de posse e a submissão à natureza. Curiosamente os volumes repetem a conformação do volume vizinho verde, abaixo dela, o que poderia indicar a intenção de mimetizar, embora isso não fizesse sentido algum. A empena cega é agressiva e não se impõe como elemento escultórico, constituindo-se em mero resultado construtivo, decorrente de um modelo.

Mas Serapião não discute muito a composição da casa de Santa Tereza, exceto pelos traços mais óbvios da sua configuração. Na verdade ele também fala pouco da casa de Paraty, descrevendo espaços e soluções de modo bastante superficial . Leiam os títulos das fotos e vocês perceberão o tom burocrático: “Amplos caixilhos integram estar e jantar ao exterior. A passarela sobre o espelho d’água marca o acesso. O pátio ilumina a cozinha. A varanda é continuidade da área fechada de estar”.
A varanda é continuidade da área fechada de estar? Ora, deve haver algo mais a ser dito.

Um exercício de metacritica ou, três momentos de Serapião 3

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Um carioca em Minas
O terceiro texto de Serapião é sobre o Centro Administrativo de MG, projetado por Niemeyer, em Belo Horizonte. O texto é curto e veiculado no ambiente extra-profissional de um jornal paulista, mesmo assim é inevitável que o autor seja visto com a autoridade de um arquiteto que fala de uma obra, ou seja, para o leitor, é uma opinião abalizada e técnica.
Serapião escorrega logo no título: “Ao mirar o futuro, Aécio acertou o passado”. A escolha é indecorosa porque o crítico usa da sua posição de arquiteto para, através de uma aparente análise da obra, atacar o cliente, no caso um político. Não que um arquiteto não possa ter posições, mas no caso, não sendo ele um analista político, seu papel é emitir uma opinião profissional acerca da obra.
Entretanto, também ao falar da obra a análise de Serapião é absolutamente indigente. Na casa de SantaTereza, a reutilização por parte de Bucci, de um repertório de soluções aplicadas a outros projetos, numa expressão que nem é tão original e própria assim, é tida como mérito. Quando se trata de Oscar, considera-se o caso como de “projeto de gaveta”. Um mínimo (ou será o máximo?) de coerência é o que se espera de um crítico.
O edifício das secretarias é envidraçado e voltado para muitas orientações, mas a casa carioca tem os quartos voltados para o poente... não em Minas, mas no Rio de Janeiro, com seu verão ameno. A eficiência energética tão cara a Serapião num caso, no outro é omitida.
É possível sim, criticar a solução de Niemeyer quanto ao uso do ar condicionado, embora essa seja uma solução quase inevitável, dadas as características contemporâneas das organizações administrativas. Há que se acrescentar que dispomos hoje de meios de controle do desempenho do ar condicionado, que minimizam as perdas decorrentes da insolação. Assim, não estamos diante de um “erro primário” mas de uma decisão projetual a ser discutida conceitualmente e não criminal ou politicamente. Tenho um amigo fazendo doutorado sobre esse tema, talvez fosse melhor que ele abandonasse os estudos e passasse a fazer manifestações em Copacabana.

A busca de estruturas arrojadas é recorrente na obra de Niemeyer e Serapião ironiza perguntando se o “ineditismo técnico” seria de “suma importância para a humanidade”. Ora a resposta é sim e não, mas antes de entrar nessa seara há que lembrar o entusiasmo do crítico diante da casa de Santa Tereza: “ (...) o destaque é a estrutura. O pavilhão alto é um grande pórtico com vão de 15 metros, apoiado em quatro pilares que, semiocultos por duas empenas laterais, são revelados ao tocar o solo.” A solução é tola mas o entusiasmo com a estrutura é volátil: vãos de 15 metros são notáveis, mas edifícios suspensos e vãos de 147 mts são fora de moda.
Sim, conforme nos lembra o articulista, o Hotel Quitandinha é um grande bloco curvo, mas sua semelhança com os escritórios da Cidade administrativa termina aí. Para início de conversa, no projeto de Minas, os blocos são dois, que formam um conjunto. Só essa diferença já seria suficiente para desqualificar a comparação: quem não percebe a diferença entre uma composição de dois blocos e um edifício isolado? Além do mais as proporções, a dupla curvatura, a solução dos apoios e o contexto, são completamente diferentes. Portanto, essa informação solta como foi, num ambiente leigo, é pura vigarice intelectual.
















a Mondadori, citada por Serapião(cujo princípio estrutural é o mesmo do Palácio Tiradentes) e o Quitandinha: referencias distantes


Segundo Serapião, o equivoco do projeto é acompanhado pelo equívoco da decisão de concentrar num só lugar a administração pública mineira. Para ele a idéia "é tão nova quanto um bonde”. Com um pouco mais de atenção, ele perceberia que é uma idéia ainda mais antiga do que os bondes: toda a história da humanidade está pontuada pela construção desses centros de grande simbolismo. Por outro lado, não é com um parágrafo apenas que se vai contestar a solução urbanística de induzir o desenvolvimento do setor norte de Belo Horizonte, o que reforça a tese de que o seu discurso tem intenções políticas e não arquitetônicas.
Tendo começado o seu texto pequeno e cheio de inconsistências com uma tolice, Serapião o encerra com uma outra maior ainda, ao sugerir que se deveria apostar “na capacidade arquitetônica” da geração atual. Ora Fernando, gerações não possuem capacidade arquitetônica: são os arquitetos, independentemente da idade, que a possuem. Para isto, uma instância crítica de maior qualidade seria uma grande contribuição.



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14 de mar. de 2010

Steven Holl


O título do último livro do Steven Holl é excelente: Urbanisms. Working with doubt (Urbanismos. Trabalhando com a dúvida).

O texto da Dezeen (http://www.dezeen.com/) , também é:
"Os empreendimentos urbanos contemporâneos estão cada vez mais caracteizados pela confiança em diagramas, mapas e gráficos para transmitir o ponto de vista racional, estatístico da profissão de planejador urbano. No seu novo livro, Urbanisms, o arquiteto Steven Holl sugere que, assim como a moderna medicina tem reconhecido o poder irracional da psiquê, os planejadores urbanos precisam compreender que o poder da experiencia urbana não pode ser completamente racionalizado e deve ser estudado subjetivamente. Com uma seleção de seus projetos urbanos e arquitetônicos realizados nos últimos trinta anos, Holl estende o planejamento urbano para o domínio da incerteza, da prosa para a poesia. Urbanisms examina como a percepção e os sentidos são entrelaçados com material, espaço e luz da forma urbana."

Sérgio Bernardes e o arquiteto prospectivo.

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Hotel Tambaú, em João Pessoa, projetado em 1966, por Sérgio Bernardes

No início de 1982, fui convidado para elaborar a programação do 1º Encontro Brasileiro de Arquitetura, que efetivamente foi realizado naquele ano, em Belo Horizonte, com a presença de mais de 500 arquitetos de todo o país. Os autores da idéia foram Éolo Maia, João Diniz e Sylvio de Podestá, dentre outros. Analisei a questão e, ao invés daquele tradicional desfile de estrelas apresentando os seus projetos, que até tem lá o seu encanto, propus uma temática mais reflexiva, que resultou no título do encontro: Visões Contemporâneas.
A idéia era estruturar o evento convidando dois arquitetos de peso na arquitetura brasileira, mas que andavam esquecidos: Sérgio Bernardes e Paulo Mendes da Rocha. A reação inicial do grupo foi cautelosa, indagando se eles não representariam o passado, num evento que objetivava o contemporâneo. Ao final todos cederam às evidências acerca da necessidade de reincorporar aqueles dois gênios à cena brasileira.
Bernardes estava morando num pequeno apartamento em Ipanema e logo se entusiasmou com o convite. Paulo Mendes atendeu, ele mesmo, o telefone (hoje a fila de espera para obter uma entrevista sua deve ser de semanas ou meses) e imediatamente concordou em vir.
Sérgio Bernardes chegou para a palestra de abertura de mãos vazias... trazia no bolso apenas um slide: a primeira imagem da Terra vista do espaço, sem a presença de nuvens. Uma montagem que havia demorado anos para ser feita. Sérgio participava de grupos de discussão da NASA, daí estar de posse daquela foto magnífica e falou sobre as relações do homem com a natureza, das possibilidades dos assentamentos humanos e de tudo mais que interessa à arquitetura e aos arquitetos, a partir daquela única imagem.

Estava ali, diante da platéia embevecida, um dos poucos arquitetos brasileiros com uma noção de realismo diferente daquela que já predominava na época e que hoje é quase unânime, noção essa que se apega a um realismo legalista e pseudo social, aparentemente defendendo a ordem e o bem estar coletivo, mas que deixa poucas brechas ao necessário e efetivo projeto de futuro.
Bernardes ousava pensar o novo, certo de que as leis decorrem do reconhecimento daquilo que pode ser melhor para a sociedade, e que elas não podem ser apenas instrumentos de cerceamento da liberdade.

A arquitetura brasileira padece desse mal. Só se pensa no que é legal, e pouco se questionam as leis, para que elas evoluam. Daí, a cada reformulação dos códigos, vemos mais do mesmo.
Pensem no Hotel Tambaú, em João Pessoa, construído em 1966. No Brasil de hoje não seria possível construí-lo devido às leis de preservação do meio ambiente, que são, em grande parte, um instrumento de punição para maus projetos e ações irresponsáveis. Mas, pergunto: o projeto desse hotel está na mesma categoria do lançamento de esgotos na praia? Para os legisladores, parece que sim, mas o pior de tudo é que os arquitetos cada vez menos pensam naquilo que a lei não permite.

A arquitetura pode estabelecer relações com a natureza que não sejam de mera submissão, coisa que as culturas avançadas descobriram há séculos, e que estão representadas no século XX por diversos projetos como os da Baia de Tokyo, o do Sea Ranch, o de Taliesin West, do Centro Cultural de Tjibao e muitos outros.
Recentemente, o Ministério Público de Pará de Minas, rejeitou a liberação de algumas áreas dentro da Área de Preservação do Cristo, para pequenas construções de cunho cultural, como se a arquitetura não tivesse resposta para a delicadeza implícita em intervenções desse tipo.

A Lei de Uso do Solo de BH, tem vícios semelhantes, que atestam o caráter punitivo em detrimento da evolução e que partem do princípio de que os arquitetos sempre farão alguma tolice e precisam ser tutelados o tempo todo.
Nela existem as chamadas ADE’s, cerca de 18, que são definidas como áreas que “...por suas características, exigem a implementação de políticas específicas, permanentes ou não, podendo demandar parâmetros urbanísticos, fiscais e de funcionamento de atividades diferenciados, que se sobrepõem aos do zoneamento e sobre eles preponderam.”
A sua mera existência já me parece ser uma distorção, um atestado de que a cidade foi considerada como massa comum, com alguns poucos pontos diferenciados. Se as ADE’s são definidas como instrumentos de ordenação de áreas especiais, pergunto: qual região da cidade não possui lugares que merecem tratamento especial?
E mais, porque o especial implica em restrição? O parágrafo segundo diz: “Os parâmetros urbanísticos relativos a coeficiente de aproveitamento do solo, quotas de terreno por unidade habitacional e taxa de permeabilização das ADEs que vierem a ser instituídas por lei específica devem ser iguais ou mais restritivos que os da zona em que se localizem.” Qual o motivo da bronca? Em certas circunstâncias os parâmetros não poderiam ser mais flexíveis ou generosos?

A parcialidade da abordagem transparece em muitos pontos: o bairro Buritis precisa de um controle de densidade, por culpa da própria Prefeitura, que não exigiu um dimensionamento viário adequado na época da aprovação, mas o Gutierrez não precisa desse controle também? Santa Tereza é considerado histórico, mas o Prado, onde moravam os maiores construtores italianos da época da construção da capital, com seu traçado irregular e casas primorosas, está indo abaixo. O bairro da Serra é o único onde as vistas da Serra do Curral precisam ser preservadas? Discordo: a Serra do Curral é mais impressionante vista do bairro dos Caiçaras, na zona Norte da cidade: alí não tem ADE...
Por outro lado, o Vale do Arrudas, que poderia ser um valioso braço na revitalização do centro da cidade, não foi objeto de qualquer definição, apenas se faz a mera constatação da sua importância. A definição dessa área não afeta as demais?
Sim, é preciso reconhecer que tudo isso é muito complexo, mas, sem um sonho, a cidade é apenas um aglomerado legalmente organizado.

Voltemos ao Sérgio Bernardes. Além de um hotel mar adentro, ele propôs o uso do espaço aéreo dos leitos das ferrovias do Rio de Janeiro para a construção de condomínios habitacionais. Propôs um conjunto de casas na Ilha Grande, em contato direto com a floresta, mas suspensas por cabos...
Bernardes não se julgava dono da verdade, embora absolutamente convicto das suas idéias: sabia que a utopia aponta uma direção, mais do que um resultado.
O mundo está cheio de arquitetos assim, enquanto a glória brasileira é aprovar um projeto na prefeitura, sob o crivo de gente que, na sua maior parte, despreza o nosso trabalho.
Recentemente o IAB lançou uma campanha para obter algo quase cômico, se não fosse trágico: o atendimento cortês, ou o fim das humilhações impostas aos arquitetos, por parte dos funcionários da prefeitura de BH.
Nas últimas décadas, o setor de aprovação de projetos da PBH, com sua implicância, arrogância e volatilidade interpretativa, tem jogado os construtores, sempre chamados de especuladores, no colo de arquitetos medíocres, cujo único mérito é conhecer os caminhos da aprovação de projetos, caminhos esses azeitados pelas relações pessoais e facilitados pela indigência arquitetônica.

Uma boa legislação deveria incentivar boas práticas. Estou tão certo disto quanto de que práticas profissionais muito aquém do estado da arte de uma disciplina, são também fruto de uma legislação ruim.





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16 de set. de 2009

juro que vi...

Ao virar a esquina (olhando pra cima para não bater em algum avião...) dei de cara com essa acácia com mais de 28 metros de altura. É claro que eu tinha que parar, né?

14 de set. de 2009

um silêncio pouco inocente


...para a sociedade, não é suficiente que o arquiteto pareça uma autoridade.

Dois acontecimentos tiveram lugar, nesta semana, em SP e BH. Ambos têm relação com a vida urbana e são do nosso particular interesse como arquitetos, mas tratam de problemas diferentes, sem nenhuma conexão aparente.
Em BH, a Secretaria Municipal de Patrimônio, órgão público composto por arquitetos representando diversas instituições técnico-profissionais, está em litígio com alguns proprietários de imóveis e tenta provar a relevância do tombamento de residências sem nenhum valor histórico especial. A justificativa é a manutenção do volume construído, o que seria até defensável, não estivesse o entorno já verticalizado. Temos nesse caso, arquitetos/historiadores, se fazendo de urbanistas.
Em São Paulo, a discussão é sobre as obras de ampliação da marginal do Tietê, cuja eficácia e concepção estão sendo contestadas, numa oposição que tem à frente Jorge Wilheim, um dos urbanistas de maior prestígio no Brasil. O argumento contrário ao aumento das pistas daquela artéria fundamental ao tráfego na cidade paulista, é a redução da permeabilidade do solo. Agora, é o arquiteto/urbanista se fazendo de engenheiro hídrico.
Mesmo sendo questões diversas, há de comum entre as duas situações, a participação dos arquitetos em circunstâncias nas quais parecem expressar posições técnicas e não ideológicas, dando a entender que são compartilhadas por toda classe, que seria detentora de certo conhecimento. Entretanto, tais posições não são incontestáveis, o que torna o aparente consenso um engodo, com a nossa contribuição: em ambos os casos, nenhuma opinião diferente partiu de dentro da profissão, dando uma conotação científica às posições de grupos, expressas nos jornais.

O silêncio dos arquitetos é tradicional, principalmente quando se trata de debater publicamente com colegas e uma coisa me intriga: se somos assim tão unidos, se o nosso esprit de corps é tão forte, porque a nossa categoria profissional é tão pouco atuante enquanto tal e tem tão pouca capacidade de reivindicação coletiva?
O nosso presidente anunciou a construção de alguns milhões de habitações e os arquitetos não foram convidados para a empreitada. O Ministério do Exterior resolveu levar o país à Expo Shangai 2010 e os arquitetos envolvidos são os poucos que fazem parte de um certo clube de investimentos. O país vai sediar a copa de 2014, e os estádios serão reformados por um auto-denominado time (de várzea ?) com uma ou duas estrelas. O Governo de Minas vai transformar o conjunto cívico da Praça da Liberdade em algo mais espetaculoso, e fecha o debate nas mãos cheias de interesse de alguns. Tudo isto ao arrepio da lei e do bom senso, que indicam a realização de concursos públicos nestes casos.

Mas o que justifica o nosso silêncio diante de questões que admitiriam várias interpretações (o que propiciaria um debate sadio) se cada grupo está lançando mão de todas as armas possíveis, para realizar suas ambições mercadológicas?
Caso fossem considerados os interesses da população, deveríamos estar diariamente nos jornais, discutindo os inúmeros temas que dizem respeito à nossa atuação, à nossa responsabilidade profissional e à sociedade, ao invés de ficarmos fazendo tráfego de influência nos porões nem sempre salubres do mundo político e nos eventos sociais cujas motivações nem sempre estão à altura do uísque servido.

Tentem imaginar se durante a crise da gripe suína, os médicos tivessem se omitido do debate. É esta a postura dos arquitetos diante da crise das cidades.

um silêncio perverso

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"Inaugurada e inclusa, a Cidade da Música do Rio de Janeiro transformou-se, inesperadamente, numa campeã de matérias jornalísticas. Infelizmente, nada do que tem sido escrito recentemente diz respeito às qualidades (ou à eventual falta de qualidade) do projeto arquitetônico, de autoria do arquiteto francês Christian de Portzamparc (Casablanca, 1944). Por regra, a imprensa tem abordado o grande complexo cultural sob um único prisma: as supostas irregularidades cometidas ao longo de sua construção. Bem entendido, tais matérias não são assinadas por arquitetos. Como de costume, os arquitetos estão – salvo raríssimas exceções – calados.
Embora previsível, o mutismo do meio arquitetural brasileiro com respeito à Cidade da Música do Rio de Janeiro é particularmente incômodo, além de eloqüente. Pois, do ponto de vista da arquitetura brasileira, esse não é – ou pelo menos não deveria ser visto como – um projeto qualquer."


Começa assim o excelente artigo de Otavio Leonídio (http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq111/arq111_01.asp). Poderíamos argumentar que, por não estar terminado, o edifício em questão não deve ainda ser analisado. Bobagem: discute-se arquitetura ainda enquanto projeto. Mas será que no Brasil se discute arquitetura? Creio ser mais apropriado dizer que se fala de algumas arquiteturas, que se apresentam alguns edifícios. A discussão mesmo, é marginal, reservada para as madrugadas e para os recintos privados dos escritórios. Ou então, mais uma vez surpreendentemente, gostamos todos das mesmas coisas.

O texto abre várias vertentes férteis, e pretendo voltar a ele outras vezes. Entretanto, a sua presença nesta semana cujo tema casual é o silêncio, se dá, em primeiro lugar porque Leonídio começa fazendo menção a esse traço brasiliano. É nesse contexto que quero assinalar as relações entre a falta de diálogo e o estado atual da arquitetura brasileira.

Portzamparc é um arquiteto pós-moderno, mas Leonídio tenta livrá-lo desse título que, no Brasil, é uma ofensa e diz que ele “superou o pós-modernismo”, mas o que quer dizer isso? É alguma doença? O pós-modernismo é justamente a desobrigação de ser vanguarda pela inovação constante e aposta na validação das influencias históricas.
Conheci Christian de Portzamparc no seu projeto da Rue des Haultes Formes, de 1979, que é um residencial com inspirações históricas, no coroamento dos edifícios e na volumetria tradicionalmente composta, apresentando traços pintorescos. Anos depois ele projetou a Citè de la Musique, em Paris, um projeto cheio de equívocos formais, mas com referências múltiplas, tanto ao modernismo quanto aos estilos tradicionais. Portzamparc, assim como a maior parte dos arquitetos, foi evoluindo com o passar do tempo, mas a liberdade com que transita na história da arquitetura é provavelmente uma herança pós-moderna.































Aqui no país da jabuticaba e do alcoolismo cultural, a recuperação do modernismo se dá a partir da pulverização do pós-modernismo, como se ele tivesse sido um pecado a ser enterrado. Tudo o que aconteceu na arquitetura mundial pós anos 80, tem a ver, com certeza, com os questionamentos do período pós-moderno e, é público e notório, quem não aprende as lições da história está condenado a repeti-la. Talvez, essa insistência em negar o pós-modernismo e buscar o modernismo nas formas estruturais do concreto armado, esteja na raiz da confusão frouxa em que se meteu a arquitetura brasileira, uma arquitetura que não aprendeu a explorar as múltiplas dimensões dos espaços interiores e que continua a se contentar com malabarismos construtivos, perpetrados por um pequeno grupo paulista. Comparem o Museu dos Coches, projetado no ano passado por Paulo Mendes da Rocha, em Lisboa e a Casa da Música, do Portzamparc, no Rio: um século as separa, mas o passado modernista sobrou para os nossos patrícios. (ver o arquivo de abril desse blog: "Modernismo Recrudescido: as dificuldades em ser contemporâneo).

Para Otavio Leonídio, “a arquitetura moderna brasileira se mudou para São Paulo (...). Continua sempre sendo brasileira. Continua sempre sendo moderna. Continua sempre sendo a mesma.”

É pra comemorar ou pra chorar?


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7 de set. de 2009

função e paisagem

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Reparem no programa do edifício Fidalga 727: Bloco A: um apartamento tipo A, dois lofts tipo A, uma cobertura tipo A. Bloco B: uma casa, cinco apartamentos tipo B, uma cobertura tipo B (http://www.movimentoum.com.br/fidalga727/ ).

Até hoje, os programas da maior parte dos edifícios de apartamentos eram feitos mais ou menos da seguinte maneira: perfil genérico do potencial comprador + área máxima de projeção = número de unidades superpostas. As unidades diferenciadas se resumiam às coberturas, quase sempre resultado da sobra da área do coeficiente de aproveitamento.
Mais recentemente, alguns empreendedores passaram a transportar para os projetos, diferenças percebidas nas demandas dos usuários, resultando, num primeiro momento, na personalização dos acabamentos, evoluindo depois para a possibilidade de alterações das plantas. Agora, começam a aparecer empreendimentos cujas unidades já são diferenciadas a partir da concepção.

Entretanto, isso não é novidade na história da arquitetura. O caso mais famoso é a Casa Milá, conhecida como La Pedrera, projetada pelo Antoni Gaudi, em 1904, em Barcelona. A proposta é extraordinária: são apartamentos com dimensões diferentes, organizados em torno de um pátio irregular, e com planta livre. Num dos estudos, Gaudi havia previsto uma rampa para carruagens, que iria até os pisos superiores. Um século depois, alguns edifícios já possibilitam que você chegue de carro ao seu apartamento nas alturas.

Um exemplo desses ares renovados no mercado é a atuação do grupo paulista Idea!Zarvos (http://www.ideazarvos.com.br/site/), que está lançando diversos edifícios projetados por arquitetos de fora do círculo comercial que abastece as construtoras com projetos e, raramente, com idéias. Isso pode colocar novamente no devido lugar, a importância do arquiteto na elaboração dos programas, função exercida até aqui, pelos empreendedores e pelos corretores de imóveis.

O projeto de apartamentos tem, dentre as suas especificidades, a exigência de otimização da área construída, o que implica no manejo inteligente do dimensionamento. Esta habilidade, desmerecida desde a saudável contestação feita pela academia ao funcionalismo rasteiro que dominava exatamente o mercado, continua a ser parte fundamental do saber arquitetônico, ainda que muitas das escolas tenham descuidado do seu aprendizado. Fosse apenas um descuido, já seria preocupante, mas a desatenção acaba estimulando uma rejeição por parte dos estudantes, de demandas pela eficiência no aspecto dimensional. Exigir-se a realização de um pré-dimensionamento bem feito é visto por muitos, como perda de tempo, ação anacrônica que teria resultados nefastos sobre a projetação, como o cerceamento à criatividade.

Outros, profissionais e estudantes, alegam ter métodos próprios e nunca revelados, de encontrar as medidas adequadas a cada espaço. Particularmente, conheço dois métodos: analisar as atividades e o mobiliário a ser provavelmente utilizado e fazer um pré-dimensionamento, ou então o método roleta russa, onde se dimensiona na base da sorte ou azar. O detalhe picante é que a cabeça na frente do cano é a do proprietário ou a do usuário, e nunca a do arquiteto, que pode sair e comemorar a sua sobrevida.

Uma outra característica da diversidade na concepção das unidades é que ela resulta em formas distintas da repetição que caracteriza os edifícios de apartamentos. Não que a repetição em si impeça a criação de formas expressivas, pois temos inúmeros exemplos nos quais é justamente a repetição de elementos que proporciona uma expressão única e bela. Mas basta observar a paisagem das nossas cidades para constatar a monotonia. Diferentemente de cidades como Brasília ou na Paris Central, nas quais a topografia e o gabarito reafirmam a uniformidade, nas demais, o modelo compositivo se repete em alturas diferentes e com materiais levemente diferentes, resultando num "quase igual" exasperador.

Nos edifícios residenciais, predomina o modelo da coluna, no qual o edifício tem base, fuste e coroamento. Nos fustes, constituídos justamente pela repetição das unidades, os arquitetos tem interferido com medidas epidérmicas, tais como alternância de varandas, janelas intercaladas e trechos de materiais diferenciados, com um resultado plástico quase sempre anulado pelas semelhanças do entorno. Mas em cidades mais conservadoras, nas quais a fiscalização é omissa, como em Belo Horizonte, é nos coroamentos onde o desastre formal se amplia, pela adição de improvisações nas coberturas, comprometendo totalmente o modelo compositivo.

Com a linguagem das edificações verticais caminhando na direção de formas caracterizadas por variações volumétricas motivadas também por interiores diferenciados, os condomínios verticais passam a refletir a cacofonia da paisagem sem se constituírem em mais um ruído. Por outro lado, livre do determinismo de projetar um edifício auto centrado, como acontece nas composições tradicionais, o arquiteto tem a oportunidade de retomar a sua importância na definição de paisagens visualmente mais instigantes e lúdicas.




















Casa Mila. Gaudi
Paisagem residencial. São Paulo.
Edifício Fidalga 727. Triptyque
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harmonia 57

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O Harmonia 57 é um edifício para escritórios e, assim como o Fidalga 727, foi projetado pelo Triptyque, um escritório formado por Carolina Bueno, Guillaume Sibaud, Olivier Raffaelli e Gregory Bousquet. Os quatro são formados pela Escola de Arquitetura Paris-la-Seine e se estabeleceram em São Paulo, em 2001.
O edifício Harmonia 57 é u empreendimento da Idéia!Zarvos, voltado para o publico dominante na Vila Madalena, em São Paulo, composto por artistas, designers e outros profissionais ligados nos grandes temas da cultura contemporânea. Sendo assim, o conjunto está sintonizado com o interesse recentemente renovado, em tecnologias verdes, possuindo sistemas de tratamento e reutilização de água. Uma camada vegetal envolve a maioria das fachadas.
O edifício possui 450m2 distribuidos em unidades de 85 e 120 m2, além de uma cobertura com 40 m2 e terraço. Todos os espaços são plantas livres, providas de serviços.

A ascenção do Triptyque não chega a ser uma nova missão francesa, mas sem dúvida um nível internacional de exigência começa a se consolidar entre nós.

Mais imagens em: http://www.triptyque.com/harmonia/
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möbius

Bem lembrado pelo Ton, um dos bons arquitetos de Pará de Minas: a superfície contínua da Biblioteca de Astana, deriva das perquisas do matemático August Ferdinand Möbius.


1 de set. de 2009

Cazaquistão

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No post anterior, quando eu comparei o Brasil com o Cazaquistão, não foi por acaso.
O escritório dinamarquês Bjarke Ingels Group (http://www.big.dk/) foi agraciado com o primeiro lugar no concurso para o projeto da Biblioteca Nacional de Astana, depois de ter ficado entre os cinco pré-selecionados. O concurso foi aberto e internacional e, entre os 19 proponentes estavam, entre outros, Norman Foster e Zaha Hadid.













30 de ago. de 2009

Onde está a Arquitetura, no Brasil?

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sede do NAI, em Rotterdam


“No Brasil, há uma lacuna relativamente grande entre a esmagadora tradição modernista e a maior parte da produção arquitetônica contemporânea. Por um lado, a maior parte dos arquitetos ainda projeta no vácuo dos dois ganhadores do premio Pritzker, ainda ativos aos 80 e 100 anos de idade; e as figuras de proa da era dourada da arquitetura brasileira ainda formam o núcleo tanto do debate arquitetônico quanto das exposições.
Nesse meio tempo, o crescimento explosivo das cidades é, quase sem exceção, o trabalho de proprietários/ empreendedores e de firmas arquitetônicas comerciais. O resultado é uma monótona e expandida massa de edifícios residenciais neoclássicos e de torres de vidro, de escritórios. Particularmente em São Paulo, a estupefação diante da beleza da cidade, deu lugar ao pavor pelo seu tamanho.”

15 June 2009 / Sander Troost

A análise de Sander Troost, no Archined (http://www.archined.nl/en/) não poderia ser mais cristalina. Parece que vivemos mergulhados no passado, numa espécie de resistência, não de caráter heróico, mas conservador, em relação às novas linguagens que surgem na arquitetura a partir, curiosamente, do Pós-modernismo, sempre acusado de revivalista. Depois dele, o Deconstrutivismo, associado à evolução dos meios digitais de representação e estudo, ampliou radicalmente os campos de investigação da forma dos edifícios.

Toda mudança de linguagem da arquitetura, tem sua origem nas escolas ou no exercício profissional. Geralmente, numa confluência dos dois. As escolas tem poderes limitados para empreender mudanças as quais dependem dos arquitetos e de seus clientes, entretanto, é nelas que os arquitetos recebem a formação básica e que as gerações dialogam mais diretamente.
Outra instância importante na difusão, no aprimoramento e na renovação da arquitetura é a das associações profissionais. Infelizmente, a principal delas, o IAB, está completando 76 anos de opção política, com gradual abdicação das suas funções culturais (ver post da semana passada).

Bem diferente é o quadro holandês. Em 1988, o NAI, Nederlands Architectural Institute (http://en.nai.nl/), promoveu um concurso para a construção da sua sede, num parque em Rotterdam (vencido por Jo Coenen), com o claro propósito de divulgar internacionalmente a arquitetura holandesa e de divulgar para o público interno, a arquitetura de modo geral. O NAI se auto define como “...acima de tudo,um instituto cultural que é aberto ao público e que usa uma variedade de métodos para se comunicar sobre a conformação do espaço humano”, publica livros, possui dois museus e tem intensa programação cultural.
Coincidentemente ou não, os arquitetos holandeses tornaram-se figuras da maior influência a partir dos anos 90. Rem Koolhaas, MVRDV, e muitos outros, alguns mais, outros menos talentosos, estiveram e estão no centro dos debates arquitetônicos em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Nada parecido aconteceu aqui, nem mesmo um aprofundamento nos temas contemporâneos.

Na minha dissertação de mestrado, especulei acerca das relações entre o pensamento de Marco Vitruvio, objeto dos meus estudos, e as idéias predominantes na Escola de Arquitetura da UFMG. Digo predominantes com alguma reserva, pois a quase total ausência de debates na instituição - e não só nela - não permite afirmar muita coisa. Mesmo assim, a tendência conservadora é nítida. Já em São Paulo, o fenômeno vai além da academia, sem excluí-la, pois se materializou num movimento modernista tardio, sobre o qual também já falei em posts anteriores (O Modernismo Conservador e os Cadillacs de Cuba).

A paralisia pela qual estamos passando, evidente quando se observa o que está sendo feito em todo o mundo, do Cazaquistão ao Chile, da Espanha à China, é apenas aparente, pois o que não anda pra frente anda para outros lados ou então morreu.
Por outro lado, nunca é demais lembrar que, instalado o Conselho Regional de Arquitetura, o CRA, estará no poder, e desta vez com muitos recursos, justamente o grupo que tem ditado os rumos do IAB nas últimas décadas e que privilegia uma discutível dívida social dos arquitetos, em detrimento dos compromissos com a própria cultura arquitetônica. Então, é importante que se legitimem outros discursos e outros interesses.

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29 de ago. de 2009

Vitruvio e os mineiros

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O texto a seguir é a edição do capitulo intitulado “Vitruvio e os Mineiros”, que faz parte da dissertação “Um Olhar Vitruviano Sobre a Academia”. No capítulo em questão, cotejo algumas idéias sobre a forma arquitetônica, defendidas por Carlos Antonio Leite Brandão, Maria Lucia Malard e Silke Kapp, professores e pensadores muito atuantes, com as proposições de Marco Vitruvio. O trecho publicado corresponde ao discurso de Carlos Brandão, que é mais incisivo nas críticas à linguagem da arquitetura contemporânea.
















vista parcial de Roma.
vista parcial de Elciego



VITRÚVIO E OS MINEIROS (ed)

1. O EQUILIBRIO
Vitruvio propôs que a arquitetura se apoiasse sobre uma tríade, a utilitas (o uso), a firmitas (as técnicas construtivas) e a venustas (a beleza ou expressão plástica). A respeito dessa tríade, construiu-se várias fantasias. Uma delas é a de que os bons edifícios sempre contemplassem com igual importância, as questões funcionais, construtivas e estéticas. É difícil encontrar-se uma boa arquitetura quando um desses aspectos é desprezado ou mal resolvido, mas daí a se exigir um equilíbrio, no sentido de igualdade, vai grande distância. A forma, em particular é um aspecto que, quando sobressai, recebe duras críticas, como mostra a resistência histórica da academia à obra de Niemeyer, só esmaecidas nos últimos 10 ou 15 anos. No entanto, as reservas à exuberância plástica, seja de Oscar ou de Gehry, permanecem.

Diz Carlos Brandão:
(...)A forma, enquanto aspecto exterior de um objeto, não pode ser julgada por si só nem conduz a nenhuma mudança efetiva na história e na produção da arquitetura e da arte. Nenhuma revolução artística vingou e alterou nossa relação com a natureza, com nossos semelhantes e com a cultura enquanto propôs apenas uma mudança nas configurações aparentes: tais vanguardas "formalistas" geraram, no máximo, novidades que rapidamente foram substituídas por outras e outras”.

Já no século XV, Leon Battista Alberti, corroborando o temor pela autonomia da forma, expresso por Brandão no trecho acima, havia advertido: “Nunca sacrificar a utilidade ao deleite”. Ora, se a intenção estética sempre deve ceder, se a beleza é objetivo de segunda grandeza, não há motivo então, para se discutir o equilíbrio entre a utilitas, a firmitas e a venustas: a venustas seria sempre decorrente da existência prévia do uso e da tecnologia, sem nenhum poder de barganha.
Não é surpresa que Oscar Niemeyer tenha reagido a esta posição, que atribui à forma um papel passivo, sofismando: “A beleza também é uma função”.

No pensamento vitruviano, a possibilidade do desequilíbrio na tríade está prevista e é sugerida pelo Decoro: se o Decoro emana, ou dos costumes, ou do uso, ou da natureza, ao final podem predominar as cores da tradição, e/ou da função, e/ou do lugar, o que alias é uma constante na história da arquitetura, onde enfoques que privilegiem apenas um dos aspectos dos edifícios, são prática corrente.

2. APARENCIAS E CONTEÚDOS: A TEORIA

Outro aspecto levantado quando se discute a forma, e que geralmente nos afasta da sua materialidade, são às relações entre as formas e a teoria:
“O que homologa o objeto artístico não é ele ser espetacular ou aprazível aos olhos, mas, sobretudo, útil à humanidade frente à precariedade de sua natureza, ao seu enfrentamento com a fortuna e o tempo e à sua capacidade de alimentar um impulso ético e moral para o qual não somos atraídos em função do impulso estético que domina nossa natureza decaída e nossa atração por ilusões e fantasmagorias. (...) O que dá prazer na arquitetura não é a beleza exterior da obra, mas a satisfação e utilidade que ela proporciona ao entrar em nossa vida”.

O enfoque acima dado por Brandão indica que a forma arquitetônica, não se resume à sua aparência ou ao que oferece aos sentidos e que sua importância reside na sua vivência pelo usuário. Entretanto não há como ignorar que a imagem externa é a que primeiro se oferece, sendo, na grande maioria dos casos, o único contato nosso com o edifício. Surge daí a categoria do fruidor, aquele que passa pelo edifício ou que aprecia a paisagem. Mas além de só se revelar plenamente na sua utilização, para Brandão, a aparência deveria vir sempre complementada pela Idéia:
“O sentido de "forma" não é unívoco e comporta dois entendimentos distintos e que, no caso da crítica e da história da arquitetura, chegam a se opor: a forma como morjh , "morphé", e a forma como eidoz , "eidos". Na primeira acepção, da qual se originará "morfologia" por exemplo, ela é considerada como o aspecto externo de alguma coisa, sua aparência visível e dimensão sensível, ou seja, "estética". No segundo caso, forma significa "idéia", conformação mental ou disegno interior, como em Cennini e Vasari, a ser aplicado para ordenar a matéria e estabelecer nela relações e disposições”.

Aqui, a condição de totalidade, exigida ao objeto arquitetônico, implica em que ele revele, além da sua aparência, “a forma do pensamento que o constitui, sua universalidade, o modo como transitou pelas várias dimensões”.
Fica vedada, desse modo, a possibilidade de que forma e significado sejam entidades distintas, ou seja, aposta-se que o significado não resulta da adesão do usuário e/ou do fruidor mas que já estaria impregnado na forma, latente e pronto para ser percebido, cabendo à forma, a tarefa de explicitá-lo.
De certo modo esta exigência é comparável ao que Compagnon chama de “terrorismo teórico”:
“A relação entre a intenção formal e a novidade efetiva não é, entretanto, evidente, porque a arte tem a tendência de desorientar as melhores intenções do mundo. Submetê-la a idéias, a uma filosofia, a uma política, a um sistema, não é fazer dela uma idéia empobrecedora?”

Ainda assim, no tocante à necessidade da teoria, existe um paralelo entre o pleito de Brandão e a preocupação vitruviana de que a teoria acompanhe a prática. Porém, para Vitrúvio, teorizar é ratiocinatione, ou seja, “cálculo, avaliação, busca do que é razoável” e nem tanto um esforço em direção à sabedoria, que se encontra na raiz de filosofar. Com esta nuance, parece se confirmar a percepção de Brandão, de que “Vitrúvio dirige-se para um arquiteto artesão”.

Penso que os arquitetos romanos, que projetaram o Panteón, o Coliseu, os Mercados de Trajano e as Termas de Caracala, deviam merecer, tanto quanto Brunelleschi, o status de intelectuais. Entretanto, a acepção na qual Vitrúvio emprega o termo teoria, não nos deixa dúvidas de que ele vê a arquitetura com alto grau de objetividade, embora esse traço não tenha implicado no desprezo ao caráter transcendente da forma, e nem numa visão mecanicista da função.


3. FORMA E FORMALISMO

A amplitude da abordagem que Brandão faz da forma arquitetônica tem um endereço principal: a crítica ao que ele considera o “formalismo vigente na arquitetura contemporânea”:
“A arquitetura contemporânea, mais do que romper com as formas tradicionais da harmonia compositiva, tem promovido o desencontro entre a aparência exterior e a utilidade, a economia e a solidez — entre a venustas, a firmitas e a utilitas, portanto — para dar-nos apenas o primeiro destes parâmetros como sua exclusiva referência axiológica e projetual. Para trafegar na esteticidade da vida contemporânea, ela, tal como as outras artes, hipertrofiou a dimensão da venustas, da imagem, da originalidade próprias a um universo estético completamente alheio às questões de utilidade, necessidade, moralidade e capacidade de construir um mundo humano "melhor e mais feliz".

Distinguo, aqui, dois níveis do problema: no primeiro colocaríamos a preocupação excessiva com a aparência dos edifícios. No segundo nivel estaria a imersão da arquitetura no mundo dos efeitos exclusivamente visuais.

Tal distinção torna-se importante, se considerarmos as críticas, também à produção contemporânea, feitas por Juhani Pallasmaa:
“(...)Como conseqüência do poder do olho sobre os domínios sensoriais, a arquitetura transformou-se numa forma de arte da imagem visual instantânea. Ao invés de criar microcosmos existenciais, representações corporificadas do mundo, a arquitetura projeta imagens retinais com o propósito de persuasão imediata.(...) Nossos edifícios perderam sua opacidade e profundidade, apelo sensorial e da descoberta, mistério e sombra”.

Ou seja, para Pallasmaa, o problema está na sub-utilização do potencial da forma arquitetônica, freqüentemente reduzida aos efeitos visuais. Poderíamos concluir então que, para ele, é desejável o aprofundamento, e não recuo ou comedimento, na exploração da forma, ou seja, fazê-la mais eficaz na produção de sensações múltiplas e não só visuais.

Entretanto, ao se reprimir o universo sensorial implícito na venustas e, como Alberti, almejar-se “uma vida melhor e mais feliz”, no âmbito do ensino, são bloqueadas ações pedagógicas relativas à forma, ações estas que restituiriam às escolas, a sua autonomia investigativa, fazendo-as menos vulneráveis à manipulação e interesses diversos. Por outro lado, considerando a amplitude dos papéis que a arquitetura deve exercer na cultura, creio que deveríamos nos alinhar com Vitruvio e realizar, na venustas, uma vida apaixonada.


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O texto completo de Carlos A. L. Brandão, se encontra em: Interpretar Arquitetura n6/vol.4, no endereço www.arquitetura.ufmg.br.ia

27 de ago. de 2009

manhã fria

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Vocês até podem achar que eu estou ouvindo mal,
mas, dentre os pássaros, o canto mais doce é o do pardal.

23 de ago. de 2009

david sylvian

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Ouça no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=OQlm0Q8HKUE
http://www.youtube.com/watch?v=L1rb4vUSDTw

tempos modernos 2

Mato Grosso, nome que já quis dizer mato grosso.


























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