14 de set. de 2009

um silêncio pouco inocente


...para a sociedade, não é suficiente que o arquiteto pareça uma autoridade.

Dois acontecimentos tiveram lugar, nesta semana, em SP e BH. Ambos têm relação com a vida urbana e são do nosso particular interesse como arquitetos, mas tratam de problemas diferentes, sem nenhuma conexão aparente.
Em BH, a Secretaria Municipal de Patrimônio, órgão público composto por arquitetos representando diversas instituições técnico-profissionais, está em litígio com alguns proprietários de imóveis e tenta provar a relevância do tombamento de residências sem nenhum valor histórico especial. A justificativa é a manutenção do volume construído, o que seria até defensável, não estivesse o entorno já verticalizado. Temos nesse caso, arquitetos/historiadores, se fazendo de urbanistas.
Em São Paulo, a discussão é sobre as obras de ampliação da marginal do Tietê, cuja eficácia e concepção estão sendo contestadas, numa oposição que tem à frente Jorge Wilheim, um dos urbanistas de maior prestígio no Brasil. O argumento contrário ao aumento das pistas daquela artéria fundamental ao tráfego na cidade paulista, é a redução da permeabilidade do solo. Agora, é o arquiteto/urbanista se fazendo de engenheiro hídrico.
Mesmo sendo questões diversas, há de comum entre as duas situações, a participação dos arquitetos em circunstâncias nas quais parecem expressar posições técnicas e não ideológicas, dando a entender que são compartilhadas por toda classe, que seria detentora de certo conhecimento. Entretanto, tais posições não são incontestáveis, o que torna o aparente consenso um engodo, com a nossa contribuição: em ambos os casos, nenhuma opinião diferente partiu de dentro da profissão, dando uma conotação científica às posições de grupos, expressas nos jornais.

O silêncio dos arquitetos é tradicional, principalmente quando se trata de debater publicamente com colegas e uma coisa me intriga: se somos assim tão unidos, se o nosso esprit de corps é tão forte, porque a nossa categoria profissional é tão pouco atuante enquanto tal e tem tão pouca capacidade de reivindicação coletiva?
O nosso presidente anunciou a construção de alguns milhões de habitações e os arquitetos não foram convidados para a empreitada. O Ministério do Exterior resolveu levar o país à Expo Shangai 2010 e os arquitetos envolvidos são os poucos que fazem parte de um certo clube de investimentos. O país vai sediar a copa de 2014, e os estádios serão reformados por um auto-denominado time (de várzea ?) com uma ou duas estrelas. O Governo de Minas vai transformar o conjunto cívico da Praça da Liberdade em algo mais espetaculoso, e fecha o debate nas mãos cheias de interesse de alguns. Tudo isto ao arrepio da lei e do bom senso, que indicam a realização de concursos públicos nestes casos.

Mas o que justifica o nosso silêncio diante de questões que admitiriam várias interpretações (o que propiciaria um debate sadio) se cada grupo está lançando mão de todas as armas possíveis, para realizar suas ambições mercadológicas?
Caso fossem considerados os interesses da população, deveríamos estar diariamente nos jornais, discutindo os inúmeros temas que dizem respeito à nossa atuação, à nossa responsabilidade profissional e à sociedade, ao invés de ficarmos fazendo tráfego de influência nos porões nem sempre salubres do mundo político e nos eventos sociais cujas motivações nem sempre estão à altura do uísque servido.

Tentem imaginar se durante a crise da gripe suína, os médicos tivessem se omitido do debate. É esta a postura dos arquitetos diante da crise das cidades.

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