8 de jul. de 2009

Volpi, Rodin... e nós com isso?

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Está circulando na internet o “Manifesto em defesa da exibição pública das Obras de Arte Brasileiras”, lançado por críticos e historiadores da arte e da arquitetura. O estopim do problema é a cobrança, por parte dos herdeiros do artista Volpi, de uma quantia considerada pelos signatários e por seus apoiadores, como uma “(...) demanda comercial desmedida ou impertinente”. Traduzindo em números, os herdeiros, detentores legais dos direitos sobre a obra de Volpi, estariam cobrando cem mil reais “por imagens do artista”, e fazendo outras exigências. Tal empenho foi considerado “não apenas absurdo, mas imoral”.
O manifesto não se restringe ao caso que o motiva, mas marca uma posição importante no eterno conflito entre o público e o privado, que só evolui com o debate. É esta a questão central, definida assim no Manifesto: “A idéia de que o legítimo direito de remuneração pode preceder o dever da exibição e divulgação pública da obra de arte é inadmissível.

Será possível estabelecer relação de precedência neste caso? Se o dever da exibição tiver prioridade, quem decidirá o valor da remuneração? Entretanto, a causa proposta, ao se colocar como defesa do público contra o privado, ganha simpatia imediata, por motivos diversos, tanto culturais quanto ideológicos. Mas o que está em jogo?

Vejamos. Se a questão é propiciar o acesso da população a bens culturais relevantes, esse manifesto deveria se desdobrar numa causa maior, que exigiria a participação de todos que acreditam na importância da arte como fator positivo para a qualidade de vida.
Se caminharmos nesta direção, da arte para o povo, será impossível tratar o problema sem avaliar o modo como os recursos públicos são gastos com esse mesmo objetivo. Sim, porque enquanto nos indignamos com aqueles que exercem um direito legal, os herdeiros, usando um argumento moral (“eles estão abusando no preço”), o Ministério da Cultura torra o nosso dinheiro, patrocinando shows de Caetano, Bethânia e Ivete, ao mesmo tempo em que nega patrocínio a temas como as exposições sobre “Leonardo da Vinci” e o “Corpo Humano”.
Alguns acham 100 mil por um Volpi, exorbitantes, Caetano considera 2 milhões, para si, apenas razoáveis.

Por outro lado, como arquitetos, não podemos excluir da nossa própria prática no escrutínio dos projetos, o sentido da responsabilidade social. Quando admiramos, um projeto como o do Museu Rodin em Salvador, o mesmo cuidado com as relações entre o público e o privado, entre o que é relevante para a população e para a arte brasileira, deveria estar presente.
O único traço de discussão que vi nesse sentido, foi exatamente a abertura da apresentação do projeto na revista AU: “Porque construir na Bahia?”, pergunta o reporter... “Porque não na Bahia?” responde o arquiteto. Fim. A justificativa do programa que apóia o projeto se reduz a essa irrelevante questão bairrista. Porque Rodin? Porque não Volpi? Porque não artistas brasileiros?
Essa discussão não foi aventada.

Três anos depois de pronto, o Museu Rodin vai mudando os seus objetivos, diante da impossibilidade do cumprimento das promessas. Inicialmente, seriam trazidas 62 esculturas para a inauguração, agora, como informa a FSP, “a secretaria de Cultura gastará cerca de R$ 700 mil no transporte e no seguro das obras. As peças foram emprestadas pelo governo francês por um prazo de três anos: depois disso, terão de vir outras esculturas.” 700.000... dá pra comprar um Volpi? Mais: estamos falando de obras de gesso, o que é bom, mas não é o mesmo que aqueles estupendos bronzes...

Outros problemas, entretanto deverão ser resolvidos, ainda segundo a FSP: “ o museu não tinha um diretor com formação em museologia, como exige a legislação francesa, e a climatização não foi aprovada pelos técnicos daquele país.”
Lembro que o projeto de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci ganhou o primeiro prêmio da Bienal se Arquitetura de São Paulo, o que torna embaraçosa a restrição dos franceses, embora possam haver razões diversas, como sabemos todos nós que projetamos no Brasil. Entretanto, para uma equipe que chegou ao Museu de Arte da Bahia para projetar uma “edícula que servisse de depósito” (AU 150) e acabou projetando um edifício de 1500,00 m2, dobrando a área existente, o compartilhamento da responsabilidade pela elaboração do programa é irrecusável.

Voltemos ao Volpi: é fácil assinar um manifesto, lançar impropérios para uns ricos mercenários e virar a página. O difícil é lembrar de princípios e convicções, quando um ministro bate à nossa porta.





Foto 1: O Pensador en Bilbao. Gontzal Ballesteros
Foto 2: O Pensador na Praça da Sé. Luís Castro
Ambas do Flickr: http://www.flickr.com/

3 comentários:

Anônimo disse...

olá, Mestre
como sempre estou por aqui, na verdade faço questão de estar todos os dias, isso me dá a sensação de ainda enxergar a borda do precipicio que você já havia prenunciado. Sempre encontro em suas anotações algo que me constroi um pouco mais e fico feliz pela oportunidade de sempre ser seu aluno.

abraços do seu aluno e amigo.
T

Anônimo disse...

olá, Mestre
como sempre estou por aqui, na verdade faço questão de estar todos os dias, isso me dá a sensação de ainda enxergar a borda do precipicio que você já havia prenunciado. Sempre encontro em suas anotações algo que me constroi um pouco mais e fico feliz pela oportunidade de sempre ser seu aluno.

abraços do seu aluno e amigo.
T

sergio disse...

Seja sempre bem vindo aos bancos escolares, Ton: eu continuo e não quero sair deles...rsrs