6 de jul. de 2009

Um plano para Paris


Em 1836, o obelisco que o vice-rei do Egito havia dado de presente à França, foi erguido na Place de la Concorde, em Paris, na presença de 200.000 pessoas, em absoluto silêncio. Dá pra imaginar a complexidade da operação, que envolveu milhares de homens, animais e uma logística sofisticada. As instruções eram dadas por toques de corneta, daí a necessidade de silêncio.
Era um tempo no qual os governantes gastavam imensas quantias para preservar a sua memória e a glória do estado, mas afinal, “l’etat c’est moi, bien sur?” Hoje, a maioria prefere receber em dinheiro mesmo.
De qualquer modo, a expressão “obra faraônica”, tem um pouco a ver com algumas dessas ações. No passado recente, os presidentes franceses eternizaram a sua gestão com construções de grande impacto, mas, é importante observar, assentadas em programas muito consistentes. Pompidou construiu o centro cultural Beauburg, Miterrand, a Biblioteca Nacional e, significativamente, a pirâmide do Louvre. Chirac deixou o instigante Musée du Quai Branly, o museu antropológico projetado por Jean Nouvel.
O presidente Sarkozy, para não fugir à regra, recorre agora aos serviços dos arquitetos, para deixar a sua marca. No início deste mês, 10 equipes internacionais convidadas por Nicolas, apresentaram as suas idéias para uma Paris do futuro, com subúrbios integrados e responsabilidade ambiental.
A iniciativa é admirável, pois reafirma a importância do arquiteto como o profissional mais indicado para especular sobre as possibilidades da vida urbana, contrapondo a visão humanística própria da arquitetura, à dos trogloditas econômicos que tentam submeter a cidade ao mero jogo do dinheiro. Ao contrário do que se pode concluir apressadamente, isto não é um mal do capitalismo, mas a praga do atraso, da superficialidade decorrente da educação de baixa qualidade.
















Por outro lado, no que é visto como sintoma de desenvolvimento, tornou-se hábito elaborar planos urbanísticos nos quais os números, as estatísticas, são o fim e não a base das idéias. Neles, as quantidades são todas definidas, mas a boa qualidade do resultado é apenas uma hipótese fragmentada. Esse tipo de plano, é o que as cidades possuem com o nome de Plano Diretor. Sim, é algo necessário, mas como, via de regra, não são inspirados por um ideal assumidamente arquitetural, tornam-se mera burocracia. Raramente os planos diretores são apresentados por meio de perspectivas e maquetes, mas apenas por plantas e tabelas, e isso é sintomático.

Entretanto, como em qualquer lugar, planos como o recente Plano de Paris, são confrontados com os custos, o que na maioria dos casos leva ao seu abandono, ou mutilação. É por aí também, que os críticos começam a demolir esses grandes gestos arquitetônicos, frequentemente classificados como megalomaníacos e pouco realistas.
Penso diferente: a importância deles é justamente pelo seu componente utópico. A porção sul da ilha de Manhattan, o Battery Park, foi objeto de inúmeros estudos para a sua ocupação, o que aconteceu em etapas, entremeadas por novos estudos. O mesmo aconteceu com La Defense, em Paris. Algumas cidades incorrem na leviandade de partirem para os estudos, quando já existe demanda e pressão por obras. É o caso do Belvedere 2, em Belo Horizonte, onde a liberação da verticalização resultou no paradoxo de milionários morando num trevo rodoviário, sem o menor traço de alguma concepção de conjunto: são lotes com regras, nada mais. O espaço público será aquele que os shopping-centers conceberem.
Voltando ao exemplo parisiense, ele traz de volta a possibilidade de que os governantes restabeleçam seus laços com os arquitetos, num outro patamar. Como disse Nicolai Ouroussoff, “ é possível acreditar, mais uma vez, que os governos podem desempenhar um papel decisivo na obtenção de uma cidade verdadeiramente igualitária, e que a arquitetura é essencial para essa transformação”.




imagens:
François Dubois: Érection de l'obélisque de Louqsor sur la place de la Concorde. 1836 (wikimedia commons)
Christian de Portzamparc (nytimes)
Castro Denissof (nytimes)
Richard Rogers (nytimes)
A torre Eiffell vista de Trocadero

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