22 de abr. de 2009

Modernismo Recrudescido: as dificuldades em ser contemporâneo.

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“... o que aquele pavilhão queria exprimir, antes de mais nada, era a consciência da ocupação dos estados naturais da América com as construções. Então, simbolicamente, era um teto ideal, que teria um teto de cristal da nossa FAU, colocado sobre a própria paisagem, que seria a paisagem simulada naquelas colinas, com um número mínimo de pilares, ou seja, uma especialidade técnica de construção que pretendia revelar nítido conhecimento técnico para fazer o que quisesse.”
Paulo Mendes sobre o projeto do Pavilhão Brasileiro na Exposição Mundial de Osaka, de 1969.

Quarenta anos atrás, um concurso escolhia o projeto para o pavilhão brasileiro na exposição mundial de Osaka, que seria realizada no ano seguinte. A equipe vencedora foi a de Paulo Mendes da Rocha, com um excelente projeto. Paulo Mendes ressalta sobre o mesmo, na declaração acima, o caráter poético da arquitetura moderna, sempre pretendendo pousar no terreno, de modo a permitir a continuidade da paisagem e a liberdade dos movimentos.
Agora, os pilotis entram novamente na história desse grande arquiteto. Refiro-me ao projeto do novo Museu dos Coches, em Lisboa, projetado por ele e envolto numa grande polêmica com muitas nuances que vão desde a legitima defesa dos concursos de arquitetura, até o questionamento das decisões que levaram ao projeto, mas que encontram o seu centro na qualidade do projeto em si.

Preliminares
O caso desprende alguns aromas de ordem corporativa: nada encontrei sobre o assunto, que está em pauta desde a metade do ano passado, nos sites das duas principais revistas brasileiras de arquitetura, a não ser o Manifesto Pró Paulo. O referido manifesto é uma reação louvável, pois os arquitetos mais prestigiados de Portugal não deveriam mesmo se omitir quando o debate arquitetônico ganha o público. Entretanto o documento não deixa de ser um tanto cínico, e termina com a seguinte afirmação: “Por tudo isto, os presentes signatários - ainda que respeitando opiniões distintas ou complementares às suas e que devem ser tomadas em conta neste processo - manifestam que é urgente, indispensável e fundamental construir o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches...etc, etc”.
Ora, se é “urgente, indispensável e fundamental” construir o edifício, quando é que as “opiniões contrárias” serão “tomadas em conta”? Não há como negar a assimetria entre a pressão de um grupo mais ou menos anônimo de arquitetos e a de um grupo que inclui Siza, Carrilho e Souto de Moura, arquitetos globais. Tal questão já havia sido sublinhada quando, na apresentação pública do projeto e diante do questionamento de um dos presntes, alguém reclamou: “... alto lá! Trata-se de um Pritzker!”. Pronto, temos mais uma categoria com prerrogativas especiais. Há que se ressaltar a posição elegante e democrática do Paulo Mendes, dispondo-se ao debate e não se colocando na posição de estrela no alto do firmamento, mas talvez o grupo de notáveis pudesse ter dado uma aula de sabedoria arquitetônica, se tivesse ressaltado as qualidades da proposta, embasando o seu apoio. Entretanto, embaraçosamente, nenhum dos motivos elencados pelos mestres é qualidade do ou mesmo implica no projeto em questão, colocando à mostra um componente que torna tudo ainda mais complexo: se um bom projeto não se define apenas por justificativas científicas e racionais, como instituir concursos justos? Me parece que isso nunca vai acontecer. Concursos sempre serão fruto da preferência de um grupo, sendo suficiente que seja um grupo honesto. Mas é justamente pela falibilidade projetual que sempre ronda a nós que exercemos essa difícil profissão, que projetos públicos e de interesse público deveriam ser escolhidos por concursos, ainda que fechados.













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O Museu dos Coches
Quase um século se passou desde que Le Corbusier postulou os pilotis, uma idéia não só original quanto revolucionária, e que fez os arquitetos repensarem as relações dos edifícios com o seu contexto. Um passo importante na história desse elemento de projeto, foi a mudança de proporções sugerida por Niemeyer, o Jovem, no projeto do MEC Rio: ao acatarem os seus argumentos e se definirem pelos nove metros de pé-direito, os autores criaram um espaço fluido e luminoso, que não deixa dúvidas quanto à sua vocação pública. No museu dos Coches, os pilotis têm a metade da altura, 4,50 m., por mais do dobro da largura. Os pilotis do Mec cobrem uma área de aproximadamente 20x30, o MC cobre cerca de 50x130. Estas dimensões tornam-se fundamentais quando se analisa as condições ambientais. Os pilotis tendem a ser áreas de concentração de ventos, podendo tornar-se desagradáveis mesmo no verão. No caso do MC, como o edifício não é muito alto, tal efeito não deve ser exagerado, entretanto há que se considerar que o lugar estará sempre em sombra, pois as maiores fachadas estão orientadas norte e sul: uma não recebe sol e na outra o sol predominante é alto. As ilustrações que acompanham o projeto sinalizam alguns problemas: a primeira mostra a luz solar penetrando de modo improvável nos pilotis. A segunda mostra linhas de iluminação no teto, lâmpadas que ficarão eternamente acesas. Qual será a ambiência desse Lugar? De qualquer modo, com 50 metros de largura, a maior parte deste espaço aberto será, sem dúvida, um interior.

É nessa penumbra que os portugueses deverão exercer as maravilhas do passeio público. Parece-me que mais uma vez os estrangeiros se equivocam na compreensão da cultura lusitana: anteriormente, no projeto da Casa de Música, Koolhaas já havia transformado um local de possíveis encontros, numa pista de skate. Agora os patrícios não mais precisarão dos guarda-sóis.




Um Contexto Maravilhoso
Uma visita ao Google Earth me deixou admirado com a riqueza do contexto onde será construído o Museu dos Coches. Próximo ao Tejo, de frente para espaços públicos monumentais, tendo por vizinhos o Palácio Presidencial e o Centro Cultural de Belém, projeto do Vittorio Gregotti, ladeando nada menos do que o Mosteiro dos Jerônimos. Um pouco a frente, está a Torre de Belém, exemplo máximo do gótico manuelino. Nada disso e nem os eixos sugeridos pelos monumentos existentes ou a necessidade de requalificação das ruas, parecem ter sensibilizado o “estojo” de Paulo Mendes, modo carinhoso embora mistificador, como ele trata o enorme paralelepípedo, impávido colosso. É na sutileza de estar atento para as forças do lugar que a crítica pós-moderna trouxe a maior possibilidade de aprimoramento do modernismo, independente das questões de estilo, já que, no que tange às relações com a vizinhança, os edifícios modernistas muitas vezes consideraram como suficiente a sua implantação num sítio para que a vida coletiva florescesse.

Elaborar projetos em contextos históricos, antes de mais nada, coloca a história como referência. Nesse caso, alguns exemplos me vêem à mente. Um é dado pelos edifícios do próprio entorno do Museu, quase todos, inclusive o de Gregotti, usando o pátio central, com enormes vantagens. O outro, é a Festival Plaza, da Feira Mundial de Osaka de 1970, projeto do Arata Isosaki e dos Metabolistas japoneses, com seu pé direito de mais de 30 metros.

Talvez a missão de ser contemporâneo passe não só pelo abandono, mas também pelo abraço ao passado. Afinal, a arquitetura raramente erra quando coloca em primeiro plano a sua própria história.







1. croquis para o Pavilhão de Osaka
2,3. pilotis do Museu dos Coches
4,5. situação e implantação do projeto
6,7. vistas
8. Festival Plaza, Osaka. Arata Isosaki

2 comentários:

rodrigo disse...

Francamente Dr. Sergio.... simplesmente perfeito a finalização do seu texto... quando diz “...a arquitetura raramente erra quando coloca em primeiro plano a sua própria história.” Fecha com chave de ouro todo comentário acima ( da crônica ) ... e penso q está é a técnica de PMR , quando traz pra o projeto arquitetônico a marca da historia deixada e vivida pelo mestres da arquitetura... ( ou estou enganado.. )

sergio disse...

Caro Rodrigo: uma das coisas mais fascinantes no debate arquitetônico é que, quando parece que um assunto tem um bom desfecho, alguém mete uma chave de ouro e o abre outra vez. É o que acontece quando você fala “da história que o PMR traz para o projeto”. Já me colocou novamente a pensar...