6 de abr. de 2009

Ora Dólmens!

There is no ecological architecture, no intelligent architecture, no fascist architecture, no sustainable architecture – there is only good and bad architecture.
Eduardo Souto de Moura



A idéia me ocorreu enquanto assistia a apresentação por um grupo de estudantes, da Casa em Moledo, projeto do português Eduardo Souto de Moura. A casa é, conceitualmente, uma laje singela apoiada sobre pedras. Lembrei-me dos dólmens e pensei: nada mais arcaico do que uma laje plana.

Creio que a laje plana é a memória do dólmen e não uma evolução do telhado, esse desprezado ancião tecnológico que em algumas escolas é “estudado” na disciplina de Desenho Arquitetônico, como se fosse algo tão fora de moda quanto o tira-linhas.


Exposta ao sol, uma laje de concreto chega a mais de 70 graus, calor que uma rocha com um metro de espessura absorveria facilmente. Entretanto, quando se trata de uma lâmina de concreto, com 10 ou 15 cm., a coisa muda de figura. Temos que tomar outras providências e agregar materiais que evitem que o calor e também a umidade, comprometam o concreto e os interiores. Isso há de custar alguma coisa no presente e no futuro, mas telhados também têm custo e precisam de manutenção, embora o fato de serem modulados, com as peças pré-fabricadas e facilmente substituíveis, além de usarem mão de obra fácil, lhes dê uma vantagem considerável.

Nos últimos 100 anos, a laje plana tem sido um dos elementos que melhor caracterizam o estilo moderno, e o seu uso como cobertura ainda continua tentador, pois a liberdade na definição do partido cresce exponencialmente, se comparada aos telhados, que exigem rigor geométrico e controle das dimensões e proporções dos volumes a serem cobertos. As lajes não: elas podem ser interrompidas, desniveladas e modeladas sem imporem demasiados condicionantes ao projeto. Isto sem dúvida aumenta as possibilidades de que ocorram arbitrariedades projetuais, mas também torna a percepção plástica mais previsível do que as superfícies inclinadas dos telhados.

Entretanto, o aspecto mais controverso das lajes impermeabilizadas é que, além da sua associação ao modernismo, elas são freqüente e equivocadamente consideradas sinais de contemporaneidade como se fossem, por si só, capazes de figurar “a cara do nosso tempo”. Penso que não temos esta escolha. Ao presente pertence tudo que acontece no presente. O que fazemos e propomos nos projetos reflete o nosso tempo, mesmo se for anacrônico, mesmo se for inadequado, pois as contradições também fazem parte da realidade. Certos períodos da história são, inclusive, caracterizados por elas. Nem mesmo temos domínio sobre o que terá valor aos olhos do futuro: circunstâncias fortuitas frequentemente iluminam fatos, produtos e pessoas pouco relevantes, situação que costuma perdurar por um longo tempo até que a escala de valores readquira bom senso. Quando readquire.



O oposto também é verdade, como no caso da Torre Eiffel, construída há 120 anos e que foi alvo de protestos pedindo a sua demolição. Hoje é um dos mais importantes monumentos de Paris. Sem dúvida ela é a expressão tecnológica do seu tempo e isto pode ser um dos motivos da sua permanência, entretanto, as reações à sua construção são igualmente significativas quando se quer compreender aquele momento.

Quem entende mais profundamente a língua alemã, sugere que é prudente fazer acompanhar a idéia de “Zeitgeist”, “espírito do tempo”, pela de “Weltanschauung”, que significa “visão de mundo”, ou “ideologia”. Me parece pacífico que nos aproximamos do espírito do tempo a partir de uma visão de mundo, ou seja, o espírito do tempo que percebemos é aquele condicionado pela nossa visão de mundo. Reinaldo Azevedo avança mais nessa questão: “Quando falamos de uma “Weltanschauung”, estamos, na verdade, tratando de algo mais entranhado na vida e na cultura do que dá a entender a nossa “visão de mundo”. Trata-se de um condicionamento do olhar e do pensamento — ou, eventualmente, da morte do pensamento”.
O que não está em movimento está morto, e assim também é com as idéias.



Um construtor gótico poderia ter criticado a capela Pazzi, de Brunelleschi, por sua pesada estrutura, pois diante do estado da arte da técnica naquele momento, ela era um retrocesso. Entretanto, o que os renascentistas pretendiam expressar, não eram avanços tecnológicos.

Não me parece fazer o menor sentido estabelecer, em arquitetura, restrições a priori, a não ser em face de algum condicionante programático. Em certos momentos o telhado será a melhor solução, em outros a laje plana e na maioria das situações, tanto faz, exceto se a decisão for deslocada para o espaço pessoal das nossas preferências e crenças. Sendo assim, há que ser questionado o papel das escolas de arquitetura, quando se transformam em porta-vozes e propagandistas de linguagens pretensamente “de ponta”, apoiadas em preconceitos e não em evidências.

A pluralidade deveria ser estimulada ou, no mínimo, assegurada. Foi o que pude constatar no Estúdio dirigido pelo professor Shin Takamatsu, na Universidade de Kyoto: as respostas dos estudantes ao trabalho proposto por ele no segundo ano de curso, apontavam diversas direções de investigação, sem que tenham sido induzidas pela presença emblemática do mestre, um arquiteto cuja produção é personalíssima além de internacionalmente reconhecida. Pelo contrário, Takamatsu valorizava toda proposta bem fundamentada.

Já por aqui, a sombra das vanguardas paira vigilante e predadora sobre a produção acadêmica.



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