7 de set. de 2009

função e paisagem

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Reparem no programa do edifício Fidalga 727: Bloco A: um apartamento tipo A, dois lofts tipo A, uma cobertura tipo A. Bloco B: uma casa, cinco apartamentos tipo B, uma cobertura tipo B (http://www.movimentoum.com.br/fidalga727/ ).

Até hoje, os programas da maior parte dos edifícios de apartamentos eram feitos mais ou menos da seguinte maneira: perfil genérico do potencial comprador + área máxima de projeção = número de unidades superpostas. As unidades diferenciadas se resumiam às coberturas, quase sempre resultado da sobra da área do coeficiente de aproveitamento.
Mais recentemente, alguns empreendedores passaram a transportar para os projetos, diferenças percebidas nas demandas dos usuários, resultando, num primeiro momento, na personalização dos acabamentos, evoluindo depois para a possibilidade de alterações das plantas. Agora, começam a aparecer empreendimentos cujas unidades já são diferenciadas a partir da concepção.

Entretanto, isso não é novidade na história da arquitetura. O caso mais famoso é a Casa Milá, conhecida como La Pedrera, projetada pelo Antoni Gaudi, em 1904, em Barcelona. A proposta é extraordinária: são apartamentos com dimensões diferentes, organizados em torno de um pátio irregular, e com planta livre. Num dos estudos, Gaudi havia previsto uma rampa para carruagens, que iria até os pisos superiores. Um século depois, alguns edifícios já possibilitam que você chegue de carro ao seu apartamento nas alturas.

Um exemplo desses ares renovados no mercado é a atuação do grupo paulista Idea!Zarvos (http://www.ideazarvos.com.br/site/), que está lançando diversos edifícios projetados por arquitetos de fora do círculo comercial que abastece as construtoras com projetos e, raramente, com idéias. Isso pode colocar novamente no devido lugar, a importância do arquiteto na elaboração dos programas, função exercida até aqui, pelos empreendedores e pelos corretores de imóveis.

O projeto de apartamentos tem, dentre as suas especificidades, a exigência de otimização da área construída, o que implica no manejo inteligente do dimensionamento. Esta habilidade, desmerecida desde a saudável contestação feita pela academia ao funcionalismo rasteiro que dominava exatamente o mercado, continua a ser parte fundamental do saber arquitetônico, ainda que muitas das escolas tenham descuidado do seu aprendizado. Fosse apenas um descuido, já seria preocupante, mas a desatenção acaba estimulando uma rejeição por parte dos estudantes, de demandas pela eficiência no aspecto dimensional. Exigir-se a realização de um pré-dimensionamento bem feito é visto por muitos, como perda de tempo, ação anacrônica que teria resultados nefastos sobre a projetação, como o cerceamento à criatividade.

Outros, profissionais e estudantes, alegam ter métodos próprios e nunca revelados, de encontrar as medidas adequadas a cada espaço. Particularmente, conheço dois métodos: analisar as atividades e o mobiliário a ser provavelmente utilizado e fazer um pré-dimensionamento, ou então o método roleta russa, onde se dimensiona na base da sorte ou azar. O detalhe picante é que a cabeça na frente do cano é a do proprietário ou a do usuário, e nunca a do arquiteto, que pode sair e comemorar a sua sobrevida.

Uma outra característica da diversidade na concepção das unidades é que ela resulta em formas distintas da repetição que caracteriza os edifícios de apartamentos. Não que a repetição em si impeça a criação de formas expressivas, pois temos inúmeros exemplos nos quais é justamente a repetição de elementos que proporciona uma expressão única e bela. Mas basta observar a paisagem das nossas cidades para constatar a monotonia. Diferentemente de cidades como Brasília ou na Paris Central, nas quais a topografia e o gabarito reafirmam a uniformidade, nas demais, o modelo compositivo se repete em alturas diferentes e com materiais levemente diferentes, resultando num "quase igual" exasperador.

Nos edifícios residenciais, predomina o modelo da coluna, no qual o edifício tem base, fuste e coroamento. Nos fustes, constituídos justamente pela repetição das unidades, os arquitetos tem interferido com medidas epidérmicas, tais como alternância de varandas, janelas intercaladas e trechos de materiais diferenciados, com um resultado plástico quase sempre anulado pelas semelhanças do entorno. Mas em cidades mais conservadoras, nas quais a fiscalização é omissa, como em Belo Horizonte, é nos coroamentos onde o desastre formal se amplia, pela adição de improvisações nas coberturas, comprometendo totalmente o modelo compositivo.

Com a linguagem das edificações verticais caminhando na direção de formas caracterizadas por variações volumétricas motivadas também por interiores diferenciados, os condomínios verticais passam a refletir a cacofonia da paisagem sem se constituírem em mais um ruído. Por outro lado, livre do determinismo de projetar um edifício auto centrado, como acontece nas composições tradicionais, o arquiteto tem a oportunidade de retomar a sua importância na definição de paisagens visualmente mais instigantes e lúdicas.




















Casa Mila. Gaudi
Paisagem residencial. São Paulo.
Edifício Fidalga 727. Triptyque
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2 comentários:

Belinha disse...

Adorei, realmente pessoas como Gaudi não são admiradas atoa. Ele estava além do seu tempo.

Sérgio Machado disse...

O interessante é que para "estar além do seu tempo", ninguém precisa ignorar o presente, né?