18 de fev. de 2007

Unidades de Planejamento

No furor da elaboração dos Planos Diretores no Brasil, fato solenemente ignorado pela maioria dos arquitetos, o caso de Itaúna trouxe lições valiosas. Publico, a seguir, texto do arquiteto Rogério Palhares, dos mais respeitados urbanistas do estado, no qual esclarece e fundamenta a sua postura conceitual diante da tarefa. Ressalto que trata-se de um texto para comunicação com a população, o que demanda linguagem e abordagem adequadas ao leitor leigo. Entretanto, questiono no post seguinte, o princípio básico adotado para a análise da cidade.


Sobre Bacias Hidrográficas como Unidade de Planejamento
Plano Diretor Participativo de Itaúna

por Rogério Palhares*

Sempre que se vai planejar a ocupação de um território, de uma cidade, de um município, um primeiro procedimento usual consiste em dividir a área a ser estudada em partes, para facilitar a compreensão dos problemas em cada local, definir prioridades e organizar as futuras intervenções. Num segundo momento é necessário juntar essas partes para se tentar entender a relação entre elas, pois muitas vezes os problemas de um bairro, por exemplo, tem origens em outro, ou o problema a ser enfrentado se refere à um conjunto de bairros ou à cidade como um todo.

É por isso que falamos em unidades de planejamento, ou seja, divisões do território, cidade ou município, segundo as quais problemas e potenciais vão ser identificados (diagnóstico) e soluções vão ser dadas (propostas) de forma planejada (Plano Diretor). Estas unidades podem ser conjunto de bairros, regiões, distritos mas muitas vezes a forma de dividir o território pode dificultar o entendimento dos problemas, o relacionamento entre eles e a necessidade de soluções integradas que, ao atacar os problemas de forma conjunta, possam dar resultados melhores.

No caso do Plano Diretor de Itaúna, optou-se por trabalhar com bacias hidrográficas como a unidade de planejamento. Mas o que é uma bacia hidrográfica? Entende-se por bacia a área que recolhe a água de chuva para um determinado curso d´água, rio ou córrego, desde os pontos mais altos, ou cabeceiras, até o fundo do vale, onde corre o curso d´água. O que faz a água da chuva ir para essa bacia e não para a outra, vizinha, é a conformação do terreno, a topografia, que define divisores, ou linhas de topo, fazendo com que os escoamentos se dividam entre diferentes bacias.
No caso da área urbana de Itaúna (mostrar o mapa), foram identificadas quatro bacias: uma do Ribeirão da Várzea ou Joanica, outra do Sumidouro, outra do Ribeirão dos Capotos, todos afluentes do Rio São João, que por sua vez também tem uma bacia própria formada por terrenos que se inclinam na sua direção. Cada uma dessas bacias é delimitada por uma mudança brusca na direção da declividade do terreno que faz com que a água da chuva divida-se, indo para uma bacia ou para outra.
Do mesmo jeito, correm também independentes numa bacia e noutra os esgotos, a água servida, o entulho e o lixo deixados nos pontos mais altos e que depois vão ser carregados pela chuva para os pontos mais baixos, ou seja, vai tudo parar no córrego. Do ponto de vista ambiental, esses “divisores” de bacias, como são chamados, ajudam-nos a identificar os problemas de uma dada região de forma integrada e entender a relação de causa e efeito que existe entre eles.

Por exemplo, alguém desmatou uma área no alto da bacia e fez uma terraplanagem para construir uma casa. A chuva levou toda a terra para o córrego e provocou uma grande voçoroca no local. Toda vez que chove, vai mais terra para baixo, assoreando cada vez mais o córrego. No bairro em frente, na mesma bacia, falta rede de esgoto e coleta de lixo. Além de todo o esgoto que escorre para o córrego, o lixo acumulado nas ruas entope os bueiros e acaba provocando enchentes. A análise desses problemas e a implantação de obras para resolvê-los só faz sentido se for pensada para toda a bacia e se for priorizada de cima para baixo, evitando-se assim que obras sejam feitas em vão, sem conseguir dar cabo dos problemas.

Também o uso e a ocupação dos lotes planejados por bacia hidrográfica fazem mais sentido, pois a supressão da vegetação e a impermeabilização dos terrenos com pavimentação e com a construção de telhados aumenta a velocidade e a quantidade das águas pluviais, comprometendo as redes e aumentando o risco de enchentes.

É por isso que discutir os problemas dos bairros Padre Eustáquio, das Graças, Vila Vilaça, Freitas, Leonane e Várzea faz mais sentido quando entendemos que eles fazem parte da bacia do Ribeirão Joanica e que muitas das soluções para a melhoria da infra-estrutura urbana, das condições ambientais e da qualidade de vida dos moradores será melhor planejada se aquela bacia for pensada como um todo.


*Rogério Palhares
Arquiteto Urbanista
Prof. PUC/MG

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